20 outubro 2007

Como as espinhas nascem



Madrugava no meu computador no meio da semana quando resolvo, tranqüilamente, interromper o processo de vadiação na internet para mandar embora aquela cervejinha do fim da tarde. Passo rapidamente pelo espelho, sem querer me irritar com o aspecto visual aterrorizante – principalmente aquela partezinha que fica abaixo dos olhos. Uma tal de... olheira? Então! – e vejo, de longe, sem muito esforço, ainda que com os olhos embaçados, um pontinho amarelo reluzindo bem no centro da bochecha.
Posso jurar, plantando bananeira – não sei se consigo, mas posso tentar – que duas horas antes, quando eu havia feito mais uma visita rápida ao banheiro, não havia nada lá.
Aí, me vi no meio daquela madrugada – mais precisamente às 04:37 – pensando em como as nojentas espinhas nascem.
Imediatamente peguei o creme dental. Não, eu não iria escovar mais uma vez os dentes.
Não é óbvio? Acertei com o dedo indicador uma porção da pasta naquele maldito ponto em alto relevo e rezei, depois de 10 anos, a prece que minha mãe, minha avó ou alguma tia havia me ensinado para afastar os males da vida. Invoquei a santa protetora das pós-adolescentes com cravos e espinhas. Prometi a São Longuinho que se aquilo saísse de lá no outro dia só tomava três golinhos. Escrevi num papelzinho o nome da infame e coloquei debaixo do travesseiro. Matei uma galinha preta e finquei num bonequinho em formato de bola amarela 7 agulhas, 7 vezes, durante 7 minutos.
O dia seguinte era esperado por 7 anos. Sabe aquele cara que você conheceu na faculdade, puro músculo, olhos azuis, sarado, gato, mas gato pra dedéu, tão gato que se eu aparecer com ele lá em casa minha mãe até me coloca de volta no testamento dela? Enfim, aquele gato - eu já disse o quanto esse cara é bonito? - depois de meses fazendo uma viagem pela Europa resolveu te ligar para um convitinho básico: almoço.
Almoço!
Se fosse um cinema, escurinho, até daria pra disfarçar. Mas como eu iria no almoço com aquele disfarce de abelha rainha bem no meio da bochecha?
7 anos! 7 anos esperando por aquele deus da beleza e, na véspera do grand finale, de repente, do nada, como num passe de mágicas (de bruxas muito, mas muito malvadas) me aparece aquela coisa. Se eu colocasse um nariz de palhaço talvez não chamasse tanta atenção.
A pasta de dentes secou. Fui na pia e lavei o rosto. Agora aquela espinha parecia ainda mais destacada. Um ponto branco estava bem no centro dela e não saía. Resolvi apelar.
Eu sabia que não ia adiantar, sabia que não devia. Mas fui com a força e a coragem de uma mulher em busca do seu macho reprodutor. A gente sempre pensa: o que temos a perder? Pior do que isso não vai ficar!
Mas fica!
Apertei a desgraçada. Não saiu nada. Continuei a espremer. Vi no espelho que havia esquecido de cortar as unhas. O rosto avermelhou. Chega, nada vai sair deste lugar.
Lavei novamente o rosto. Passei um exfoliante. A pele ficou ainda mais vermelha. Lavei o rosto de volta. Passei uma máscara para tirar acne. O relevo ficou ainda mais alto.
Decidi ir para a cama. Nada como uma boa noite de sono. Acordarei bela e formosa.
BALELA!
A bola amarela agora tinha amanhecido num vermelho-beterraba, quase marrom. Pensei em desmarcar o almoço. Afinal, o que era esperar mais sete anos? E também, existem outros homens no mundo muito melhores do que ele, não é?.
Não, não existiam. Ele é lindo, um gentleman, puro coração e, da última vez que você se lembra, cheiroso. Você precisa vê-lo. Esta é chance de fisgá-lo para sempre.
Corri até o salão. Esqueci que nos últimos anos freqüentara os lugares mais baratos para economizar para a cervejinha do fim do dia que só me ajudava a ganhar quilos a mais. Mas para aquele gato valia a pena gastar mais e tomar fanta uva diet.
Liguei para aquele salão que fica ao lado do de costume, onde só as esposas de senadores e jogadores de futebol costumam freqüentar. Só pra fazer o pé são 40 reais, o corte é 60 e a escova 80. “Mas dura o dia inteiro e não agride o cabelo!”. Pedi para fazerem a melhor maquiagem. Nem me pergunte o preço! Na insistência daquela bicha histérica que corta o teu cabelo divinamente, mas fala que nem uma matraca, você resolve fazer uma escova. E já que estamos aqui, que tal a Cleide fazer tua mão e pé? A sombrancelha não pode faltar, né, amiga?
Total da bagatela: 260 reais.
Aquele show do Kid Abelha mês que vem? Nem pensar. Vá assistir o DVD na seção de eletrodomésticos do Big.
Tudo bem! Por aquele gato, todo o dinheiro vale a pena. Mas reze pra ele não querer dormir com você em até um mês porque não vai sobrar grana pra depilação.
Vamos a parte final. Aquele blusa frente única que tem um decote em V nas costas e deixa até guri de 16 anos babando na rua já está passadinha em cima da cama. A calça, claro, é aquela centropê que você pagou 190 reais e só teve coragem de usar duas vezes porque é arriscado mancha-la é a escolhida pra grande evento.
O telefone toca e você lê a mensagem: “Não agüentei e vim mais cedo. Tenho muito pra te falar. Estou te esperando. Beijos!”.
O sonho da sua vida está se realizando e você não vê a hora de ir correndo pro abraço. “É hoje! É hoje”, você grita!
Porém é preciso ter calma. É melhor deixá-lo esperando mais um pouco. Os homens não gostam de mulheres ansiosas. É preciso mostrar equilíbrio. Faça de conta que você está muito ocupada pra ele. Você decide parecer uma mulher que valoriza mais o trabalho do que as relações pessoais. Os homens adoram mulheres de negócios! “Estou em uma reunião. Talvez me atrase. Beijo.”
Finalmente passam os eternos 20 minutos contados segundo a segundo.
Uma última borrifada daquele perfume francês guardado desde 1997 e lá desce você inebriando o elevador do prédio. Você assobia “it´s rainning man, aleluia!” inconscientemente.
Chegando na garagem você lembra que emprestou o carro pro seu irmão mais novo fazer uma entrevista de emprego. Desesperada, você corre para a portaria e pede para o porteiro chamar um táxi. O carro demora oito longos minutos e você recebe o taxista com ataques histéricos de moralismo e com uma cara tão carrancuda que poderia fazer uma criança chorar desesperada por encontrar, finalmente, “o bicho papão”.
O caminho é longo e você tem tempo pra se acalmar. O restaurante está próximo. Você conta as últimas notas da carteira. Não é preciso se preocupar com a conta do restaurante, afinal, ele é rico e não vai se incomodar em ser um exímio cavalheiro.
Aquela viagem dos sonhos para Paris? Quem sabe ele não vá junto e ainda pague todas as despesas?
Na porta do restaurante te indicam a reserva que ele fez, com antecedência.
Você entra pelo salão e o vê, estonteante, com aquele terno azul marinho que você viu no último encarte da Hugo Boss.
Ele puxa te cumprimenta com um beijo delicado no rosto, puxa a sua cadeira e segura a sua mão. Dali você sente o perfume dele: é ainda melhor.
Você diz: “Desculpe o atraso. O pessoal da empresa não pode fazer nada sem minha assinatura”.
De repente você vê, saindo do banheiro, aquele cabeleireiro matraca que te coagiu a fazer uma escova de 60 reais. Você reza pra que ele não a veja e ponha tudo a perde contando ao seu futuro amante-latino-de-olhos-azuis-da-cor-do-mar o que fez durante toda a manhã só pra tentar impressioná-lo. Se seu gato te elogiar, você já tem tudo decorado. “Imagina, hoje eu nem tive tempo de me maquiar. Tive que correr cedo pro trabalho”
A matraca afeminada começa a se aproximar. Você disfarça colocando o cardápio na frente do rosto.
Você fica estática vendo aquela bicha louca se aproximar. Seu gato se levanta e o cumprimenta com um beijo na boca.
- Eu queria te apresentar. Esse aqui é o meu namorado, ele diz.
- Não acredito que é você? Ai, amor, fui eu que fiz o cabelo dela, não tá lindo?
Você “inventa” um amor que você não vê há 7 anos e que vai encontrar hoje, logo após o almoço, finaliza o almoço e escuta enjoada sobre como os dois se conheceram em Madrid e o plano deles de irem para Paris, nas férias. Parriiiii!

Mais tarde você liga para aquela sua amiga de sempre e vai com ela beber num bar.
Desde então você não se preocupa mais com espinhas.





09 outubro 2007

MENTIRA

O amor. Esse indiscutível desconhecido. Essa merda que brota dentro até dos mais céticos, dos mais duros, dos mais insensíveis.
Quem que escutou Beatriz, na voz de Milton Nascimento, consegue ficar impune aos efeitos de uma canção sobre o amor? Nobody, darling. Nobody.
“Quem disse que Beatriz fala sobre amor?”
É subentendido, não é?
E se eu pudesse entrar na sua vida?
O amor é algo tão inexplicável quanto os rolos de Renan Calheiros no Congresso Nacional. Parece complicado entender o que houve, mas se investigarmos não muito a fundo, se resolvermos abrir os olhos, veremos que o que acontece é a coisa mais simples do mundo. É tão óbvio e não nos dispomos a entender.
Sim, me leva para sempre, Beatriz.... me ensina a não andar com os pés no chão.
Seria tão mais fácil seguirmos as canções de Chico Buarque, esquecermos do mundo, andarmos no mundo da lua e completarmos diversos desastres na nossa medíocre vida comum. E quem nunca fez isso por determinado tempo na vida?
Diz se é perigoso a gente ser feliz!
O medo do ser humano insiste em ser hipócrita. Não nos preocupamos conosco, com nossos pensamentos, e sim com o que está a nossa volta.
E se eu pudesse entrar na sua vida?
O que vão falar de nós? O que vão pensar de mim? Ele é mais novo! Ela é louca! Meus pais não vão gostar. Ela falou mal do programa do Jô. Ele não curte Led Zeppelin. Eu tenho medo de me magoar de novo...
MENTIRA!
E você acredita nas suas próprias mentiras.
Você tem medo do que podem falar se tudo der errado outra vez. Dizer que esse medo é bobo seria hipóocrisia da minha parte. Esse medo, meu filho, SE TOCA: é o próprio amor.
E se eu pudesse entrar na sua vida?