05 agosto 2009

Primeiro encontro “delícia”


Ele acabou de sair, mas minha memória só consegue enxergar quando ele chegou.
Volto do mercado trazendo guardanapos. Afinal, alguém há de limpar a boca no fim do jantar.
Quando entro em casa vejo ele sentado no sofá. E o pior ainda estava por vir: Segurava o controle remoto. Quanta vantagem para um primeiro encontro com a família da pretendida.
Sozinho, na sala, com o controle remoto.
“Estou ajeitando a imagem da televisão. Seu pai pediu”, disse ele.
“Ah tá!”, respondo. Como se isso simplificasse tudo.
Logo aparece a verdadeira dona da casa. A ursa. A que manda.
- “Prazer”.
- “Prazer”.

Mas que mania alguns ainda têm em dizer “prazer”. Isso já não saiu de moda?
E tem outra: Prazer é algo tão profundo. Tão intenso. Não deveria ser dito no primeiro encontro.
Segundo Aurélio Silveira Bueno, quer dizer “alegria, divertimento, agrado, satisfação, delícia”.
Delícia?
Ora. E delícia é palavra que se use assim... ao conhecer alguém?
"Uma delícia te conhecer". Eu, hein!

Mas esse pessoal não usa delícia na apresentação só porque não sabem que a palavra é sinônimo de prazer.
E na minha opinião, com “prazer” deve ser sempre mais caro.
Porque hoje em dia prazer é prato extra. Cobra-se a parte. “Você disse prazer? Paga 10% a mais” e ponto. Alegria, divertimento, agrado, satisfação... Mas prazer...? Esse é um detalhe a mais. Como a calda de chocolate no brownie com sorvete. A cerejinha no martini. O cabelinho na coxinha de frango.
É! Claro! Até o cabelinho pode ser prazer caso você NÃO precise pagar as 8 empadas que comeu antes. Articulações na padaria. Negócio é prazer.
E namoro – às vezes – é também um grande negócio.
Veja... a gente sempre espera que não seja o nosso caso. E nunca é. “Conosco nunca, Conosco jamais”. Namoro, casamento, e todos esses rótulos ridículos que a sociedade impõe nem sempre existem porque gostamos deles, mas porque é mais fácil dizer “essa é minha namorada”. Do que “essa é uma garota com quem eu saio, converso, discuto, beijo, e às vezes dou uma bolinada”.
O negócio entra (tô falando de empreendedorismo, hein!) a partir do momento em que o cara freqüenta a tua casa e de repente tá arrumando a televisão pro teu pai. É um negócio.
Daqui a pouco o velho pede pra arrumar a lareira, o microondas, o controle remoto do ar condicionado. No início é gostoso. A gente se sente útil e mostra que sabe fazer algo. Quer agradar. E no fim tá recebendo o cara com um cortador de unhas. Em troca você pega a filha dele.
É a lei da intimidade. Maldita, aliás.
No meu trabalho é assim. “Lazarento, pistoleiro, traíra”. Tudo é elogio. Mas no fundo é vontade de dizer tais palavras para o sogro, sogra, cunhada, vizinha da cunhada, e neto do primo do filho do cunhado. Uma lambança!
Mas eles se amam. Estão apaixonados. Ou sabe-se lá o quê. Vão levando ou empurrando com a barriga que já não lhes permite olhar nem os pés na hora do banho.
Afinal, o que rola embaixo dos lençóis é de qualidade. A comida da sogra é uma beleza. E a televisão do sogro é de 52 polegadas e ainda tem Pay-Per-View.
Depois de 10 anos. O casal já está formalmente unido, não existe barreira de intimidade, o sogro arrota na sala, o genro tira o tênis na hora do jogo, a mulher vai para o fogão fazer pipoca, a sogra lava a louça e eles se arrependem, eternamente, de terem dito no primeiro encontro: “prazer”.

Como eu disse, com prazer deveria ser sempre mais caro!
Ainda bem que tudo é apenas uma suposição.
“Comigo não. Comigo nunca”.

2 Comments:

Anonymous Darth Vader said...

Com você nunca, é? Espere e verá.

06/08/2009, 11:06  
Blogger Periodista said...

Comigo, não!
Mas não fui eu que disse "nunca".
Foi a escritora que há dentro de mim e que às vezes me mata de vergonha.

08/08/2009, 20:18  

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