O que uma janela não faz...
Ontem, enquanto tentava dormir, ouvi um casal discutindo na rua.
Ela chorava, e ele repetia calmo, ponderado: “Acabou! Acabou! ... Acabou!”.
Espiei pela fresta da cortina. Eram três horas da manhã. Com os faróis acesos, o carro estava no meio da rua.
Enquanto ela ia caminhando em direção a lugar nenhum, ele abriu a tampa traseira da camioneta e tirou de lá uma mochila. “Tuas coisas eu vou deixar aqui”, ele disse com uma intensa brandura e dispensou cuidadosamente os pertences na calçada, há mais ou menos quatro ou cinco metros de distância dela.
Ele entrou no carro e disse, ainda tranqüilo, “agora te vira”.
Estiquei a cabeça pra fora tentando escutar a resposta dela. No abrir a janela, um berro da fricção.
Ele abriu a porta do carro novamente, tirou metade do corpo pra fora e, olhando na minha direção gritou: “Vai cuidar da tua vida!”.
Ela saiu de trás do muro, encolhida como um bodoque desarmado e apareceu com os braços cruzados querendo ver com quem ele falava. Ele pediu para que ela entrasse no carro e foram embora.
Se ficaram juntos, não sei. Mas há possibilidades.
"Ele pediu-a para entrar..." considero uma afronta pessoal. Verdadeiro ataque ao vernáculo. Mas tudo bem. São coisas que só acontecem na vizinhança de Nárnia.