09 junho 2006

Digo a ele que fico



Seu rosto enrubescido da bebida e pálido da carência de sol jazia sob um reflexo da lâmpada que lhe iluminava os olhos.
Ah, aqueles olhos. Eles me diziam tanto e ao mesmo tempo uma ninharia de vocábulos presumíveis, que nunca foram pronunciados.
Às vezes, quando trocávamos uma palavra, percebíamos tudo. Uma só palavra.
Recordo-me uma vez de ter dito “talvez”, após uma olhadela. E lá fomos nós pruma mesa de bar.
Suas dúvidas eram como as minhas. Só um disfarce para atingirmos o desfiladeiro daquela conversa estapafúrdia e saborosa.
Seus lábios convocavam os meus, mas não me tocavam.
Suas mãos abrasadoras me afagavam por um segundo num falso esbarrar, mas não me prendiam.
Tenho que aceitar que esses lapsos de ansiedade e conversas de botequim me convenceram a tomar sérias e deliciosas decisões.
A barba por fazer me fez pensar que ele estava só. Pura utopia.
O que realmente me segurava a ele eram suas palavras. Sinceras, grotescas e às vezes bucólicas. Mas sinceras.
Cada olhada era uma lufada de benevolência. Era como se os seus braços me envolvessem para me resguardar da aura de inverno. Aqueles olhares sustentavam meu ego, meu arcabouço, minha consternação, minha cisterna de ilusões.
Minhas pernas deslizavam sobre as suas indiscretamente como se quisessem se entrelaçar. Um minuto sem senti-lo e a guerra contra meu bel-prazer se iniciava. Era um desalento pros meus restos mortais.
Minha barriga borbulhava de agonia. Aquelas vozes murmurando ao nosso redor e eu só sentindo o seu calor, o seu tremor, o seu cobiçar. E nada fazia.
Foi aí que o beijei. Senti-o como meu.
Joguei-me contra seu corpo e nos imaginei inventando um púbere amor. Estremecia a cada peça de roupa que caía e sentia aquelas mãos quentes se arrastando pelas leves curvas da minha nuca e se agarrando nas minhas coxas.
Seus olhos cerravam e abriam. Pediam por mim. Queriam-me, fingiam me amar, queriam-me e me amavam e fingiam me querer.
Nossos corpos se emaranhavam e compunham um eco de um grito de socorro, pedindo por mais. Arrancar-lhe as roupas não me era suficiente. Queria despir nossas peles, desenfrear nossas almas, desmiuçar nossos segredos ali mesmo
, naquele chão trepido com nosso ardor.
Acordei. Na cabeceira da cama, duas taças vazias.

Texto publicado no suplemento PALAVRA VIVA - edição 2006.

2 Comments:

Blogger Periodista said...

Este comentário foi removido por um administrador do blog.

09/06/2006, 08:46  
Anonymous Anônimo said...

Caliente... mui caliente... e os posts são para você. Mais ninguém. Nem seus filhos, hehehe.

09/06/2006, 08:51  

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