11 março 2006

Reflexo

Ela chega no refeitório e olha pra todos os lados. Não procura ninguém, mas por algum motivo ela parece querer ser vista.
Ao seu lado a figura mais desprezível para a companhia de qualquer mulher com o mínimo de delicadeza; um desses moleques que fica se masturbando no banheiro da avó em suas visitas de domingo, que carrega na mochila uma playboy do ano passado e na carteira, um preservativo que perdeu a validade há quase dois anos.
Os dois, em pé, se acomodam em uma mesa. Ela posiciona sua bolsa de estudante em cima da mesa e se põe a olhar a multidão novamente. Ela o abraça e imediatamente ele se afasta, como se tivesse enojado da companhia que tem.
Embalagens de chicletes e balas derretidas caem do bolso direito da bermuda dele. Ele se abaixa para pegar.
Ela se mantém assente bem próximo dele. Ele se desvia de um lado para o outro como se estivesse fugindo de um tiroteio ao estilo Matrix, onde cada olhar dela é uma bala, e se senta na cadeira que está ao lado.
Ela, delicadamente saca seu cigarro que já está aceso e escondido atrás do seu corpo esgalgado e sem contorno e traga, inclinando a cabeça para cima e direciona os olhos para frente, mas não em uma altura em que possa vê-lo.
Enquanto leva com a mão esquerda o cigarro até a boca, a mão direita está afagando distantemente o boné dele, como se fosse o mais próximo que os dois pudessem ficar.
Pelo reflexo do vidro do refeitório se vê inquietamente os olhos dele dando reviravoltas e nitidamente se sente seu suspiro intolerável perante aquela cena. Ela não percebe nada porque ele virou metade do seu corpo de frente para o
vidro, onde o rosto dela não pode avistá-lo.
Então ele pronuncia uma palavra.
De longe se lê os lábios dele que se abriram preguiçosamente – “vamos”. Não foi em tom questionável, mas de ordem.
Ele se levanta, e ela, sem contestar, segurando sua bolsa no colo como se fosse um bebê dispensa sua mão esquerda para baixo a oferecendo para que ele a segure. Ele ignora o fato, finge que não viu e a mantém longe. A multidão os assiste sair. Ele, finalmente, tropeça e cai.

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